Archive for Março, 2011

Cura

Carta da Cura

 

Ontem ao deitar-me olhei para os livros que tenho à cabeceira e lembrei-me que já à algum tempo não tirava uma Carta dos Anjos. Senti natural vontade de o fazer e assim foi. Como ontem foi mais um dia de prova relativamente à minha condição de saúde no presente, automaticamente pensei numa pergunta relacionada com. Formulei uma pergunta geral e a carta que saiu, entre 49 possíveis cartas foi a *Carta da Cura* que assim diz:

“Pára, medita, reflecte, põe a tua mente em silêncio, deixa a energia fluir por todo o teu corpo, sente como percorre os teus orgãos, músculos e ossos. Se vês uma obstrução, averigua o que se passa com as tuas ideias ou emoções que estão a obstruir uma parte da tua energia. Pára os pensamentos como um hábito benéfico e necessário para a tua saúde. Existem muitas formas de fazê-lo, procura a técnica que te pareça melhor e onde te sintas mais cómodo. Aprende com a tua dor. Atreve-te a ser o teu melhor médico, corrigindo as causas desaparecerá assim o seu reflexo físico e este não será um impedimento no teu caminho. Lembra-te: “Mens sana in corpore sano.

(…) Habitua-te a estar atento, a ser consciente acerca do que pensas, desejas e fazes em cada momento, observando as reacções que se reflectem através do teu corpo; assim poderás corrigi-las facilmente e a tua energia fluirá correctamente.”

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Quando olhei para esta carta, não pude deixar de, uma vez mais acreditar na Magia da Vida e de como ela nos sabe tão sabiamente dar as mensagens de que nós necessitamos no momento. O Universo é Sábio! Claro que para mim esta carta tem um grande significado e importância, mas na verdade ela pode ser dirigida a qualquer pessoa.  Todos nós temos algo para sarar dentro de nós, alguma dor para aliviar (mental ou física, estão ligadas), algo para transmutar. Todos nós devemos e podemos experimentar o processo de Cura natural, seja ele como for, seja o que para cada um fizer mais sentido. E uma vez mais, esta Carta vai de encontro a dois pontos que estão muitos presentes na minha vida: a Meditação, como regresso à minha essência, como caminho que abro para me recordar de quem sou; e a Cura, que é um processo constante em mim. MetAmorfose.

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“A Cura não está fora; está e sempre esteve dentro de ti, porque, enquanto Espírito, enquanto matriz perfeita, não podes adoecer.”
~ Vitorino de Sousa, Manual da Leveza ~

Vipassana – A Experiência

Estou de volta do Vipassana. Durante 10 dias estive desconectada do mundo real, vivendo em nobre silêncio e sem qualquer tipo de contacto físico, entre mulheres (os homens estavam do outro lado), sem qualquer estímulo exterior a mim mesma, fazendo do dia uma meditação quase constante, apenas com pausas para comer (perqueno-almoço, almoço e lanche muito leve, sem jantar) e dormir 6 horas por dia. Se foi duro? Claro que foi, e é bom termos consciência de que não é prova fácil antes de embarcar nesta experiencia única, rica e transformadora.

“Vipassana é das mais antigas técnicas de meditação da Índia. Perdida há muito da humanidade, foi redescoberta por Gautama, o Buda, há mais de 2500 anos. Vipassana significa “ver as coisas como realmente são”. É o processo da auto-purificação através da auto-observação. Inicia-se observando a respiração natural, com o objectivo de concentrar a mente. Com a plena atenção aguçada, segue-se a observação da natureza mutável do corpo e da mente e experimentam-se as verdades universais da impermanência, do sofrimento e da ausência do ego. Esta realização da verdade através da experiencia directa é o processo de purificação. Todo o caminho (Dhamma) é um remédio universal para problemas universais e não tem nada que ver com qualquer religião organizada ou sectarismo. Por esta razão, pode ser praticado livremente por todos em qualquer lugar ou qualquer momento, sem criar conflitos devido à raça, comunidade ou religião a que se pertença, sendo igualmente benéfico para um e para todos.”  (texto retirado do folheto dado à entrada do curso)

Chegada no dia 23, breve contacto com os outros alunos, reconhecimento da nossa casa nos próximos 10 dias (Monte Mariposa, lugar mágico no meio da Natureza) e do quarto, escolhido pela organização do curso (eu fiquei num quarto partilhado com mais duas raparigas dentro do edifício principal) e nesse mesmo dia o voto de silêncio começa. A separação dos homens e das mulheres, os abraços de quem se conhecia e votos de uma boa viagem. Começa também o curso propriamente dito, a primeira aula teórica na sala comum de meditação (único local onde homens e mulheres se encontram, mas onde nem os olhares se cruzam) e também a primeira prática de meditação. Nesse mesmo dia, deitar por volta das 21:30 (acho que só consegui adormecer por volta da 1:00), para acordar no dia seguinte às 4:00 com um persistente gongo que ia percorrendo todo o espaço até todos estarem acordados. E assim foi durante 10 dias. Claro que ao 3º dia este ritmo já estava mais do que adquirido.

O 1º dia correu tranquilamente, foi apenas difícil manter-me acordada e ainda cheguei a beber umas chávenas de mistura de chicória com café. Depois até a isso renunciei, pensando que não fazia sentido, e muito menos ali, voltar a depender de café , hábito que já deixei há quase 2 anos. Na noite do 1º dia também não dormi nada bem, começando a sentir os primeiros efeitos de todos o processo que já começava a acontecer. Turbilhão de pensamentos começava a vir ao de cima…

Ao final do 2º dia  lembro-me de ter pensado com o cair da noite: “O que é que eu estou aqui a fazer?”. Começava a sentir as primeiras dores físicas, que me assustaram. Apesar de saber desde sempre que a minha condição física poderia dificultar a minha experiência em Vipassana, só depois de experienciar estar sentada horas a fio em posição de meditação tive realmente essa noção. Essa dolorosa sensação física, misturada com outros pensamentos que me ocorriam em catadupa, levavam-me a pensar que queria sair dali e que poderia não aguentar viver naquele registo durante os 8 dias que ainda faltavam. Mais tarde entendi que era a voz da mente, a mente a tentar tirar-me dali…A noite trouxe-me sonhos, e de manhã uma boa sensação. A minha intuição dizia-me que ali estava a voltar a mim, a reencontrar-me. E aí tive a certeza que não só não ia fugir, como aquela era uma experiência para viver a fundo, para me entregar, sem amarras e sem medos.

O 3º dia passou, e foram-nos dadas novas instruções: 3 horas por dia, em 3 momentos diferentes teríamos de nos “sentar com forte determinação”, meditar sem abrir os olhos, mexer as pernas e as mãos. Pareceu-me difícil, mas uma vez mais só a experiência mostrou a real dificuldade. Seguindo em frente no desafio, no 4º dia acordei com o joelho direito inchado e com dores, e de novo me preocupei. Pedi para falar com os professores assistentes nas entrevistas do meio-dia. Com toda a compreensão, eles autorizaram-me a meditar em alguns momentos de maior aflição de pernas esticadas e enconstada à parede, excepto nas tais 3 horas diárias de “sentar com firme determinação”. Agradeci e retirei-me. Fico feliz comigo por nunca ter necessitado de o fazer, deduzo com isso que consegui ultrapassar mais um limite que a mente me tentava colocar. De facto, no dia seguinte, o joelho já não estava inchado e a dor tinha passado. Naqueles dias aprendi a conversar com a sensação de dor, como sendo também ela Anicca – impermanência, e para sempre guardarei essa aprendizagem.

Todos os dias tiveram momentos muito bons e outros menos bons, e a aprendizagem começa logo aí. Aquilo que nos é pedido por S. N. Goenka (professor e difusor da meditação Vipassana em todo o mundo) é para não nos deixarmos levar pela qualidade de cada momento. No início, e à medida que ia meditando ao longo das 10 horas diárias, por vezes sentia-me em grande êxtase porque sentia sensações subtis ou grosseiras no corpo e ainda assim conseguia manter a equanimidade da mente; outras era capaz de passar 1 hora e perder-me completamente em devaneios mentais sem conseguir fazer os exercícios, e sentia-me frustrada. Com o passar do tempo e a aprendizagem intensa e directa, apercebi-me que é fundamental manter o equilíbrio, não nos deixando levar quer pela cobiça das boas sensações subtis, quer pela aversão a sensações mais grosseiras. E se por vezes a mente nos assalta com pensamentos, é importante manter o sorriso, aceitar e começar de novo: desta vez assim foi, para a próxima será diferente. Anicca..anicca..anicca. Claro que não o consegui sempre, mas o balanço é muito positivo. Como tudo, um processo gradual.

Mas não só na sala de meditação se vivem desafios. Na rotina do dia-a-dia, e devido ao silêncio e distanciamento físico que tínhamos também de experienciar, vivi bizarros momentos, no entanto necessários. Eu, habituada a sorrir para todos, pela primeira vez na vida não o podia fazer. Especialmente sensível com todo o processo, às vezes parecia-me tudo demasiado frio, algumas mulheres que ali estavam chegavam a parecer de comportamento hostil, observando-se umas às outras dos pés à cabeça com olhares fulminantes e isso foi muito difícil para mim no início. Por outro lado, também desenvolvi trocas energéticas muito positivas com outras, que se pareciam mais comigo e isso ajudou-me em certas alturas. É incrível sentir apenas o poder da presença e de como essa simples presença interfere connosco. No entanto, o objectivo não era esse e de muito me valeram as palavras da Manuela, a nossa responsável e a única pessoa com quem podíamos falar caso houvesse alguma situação que levasse a essa necessidade, mulher de meia idade já com 10 Vipassanas em cima. Um dia, ela percebeu a minha curiosidade pelos outros e relembrou-me que aquela era a minha Viagem. A partir daí procurei sempre a solidão tão ricamente preenchida, e também nas alturas em que poderia estar acompanhada pela presença das outras mulheres, me entregava a mim e à minha viagem. Apesar de ter interiorizado que estávamos todas no mesmo barco, eu optava sempre por me afastar mesmo nos momentos de “reunião” para comer no refeitório. Como estiveram sempre dias óptimos de Primavera excepto nos últimos 2 dias, a minha mesa de refeição passou a ser a erva do Monte Mariposa e a minha companhia o Sol, as formigas e os aromas que sentia melhor do que nunca. E que bom que foi poder fazer pique-nique todos os dias!

A partir do 5º/6º dia senti-me bem mais tranquila. Já dormia melhor e acordava com muita vontade de meditar. De facto, mesmo nas horas que podíamos meditar no quarto de forma mais descontraída, eu quase sempre optava por ficar na sala de meditação. Sentia que ali ficava mais concentrada, alerta e tirava mais partido da prática. No quarto havia o risco de querer descansar um pouco o corpo e adormecer, e se há coisa que é necessário em Vipassana é disciplina. No entanto, nas horas de “sentar com forte determinação” nem sempre o consegui fazer da forma que era pedido, e mexia nunca os olhos ou as mãos, mas as pernas. Nunca nada me foi dito em relação a isso, nem a mim nem a ninguém, por isso não há motivos para se pensar que alguém está ali para se torturar.
No penúltimo dia, durante o discurso, Goenka disse-nos que no último dia iríamos receber um bálsamo para a operação na mente. Um bálsamo que nos iria acalmar, e proporcionar-nos uma energia de Amor em nós e ao nosso redor, para que pudessemos voltar em harmonia ao contacto com os outros e o mundo exterior. Nesse dia, a seguir à meditação, o voto de silêncio seria quebrado, mas antes praticaríamos Metta – momento de relaxamento final a seguir à prática de Vipassana, em que preenchemos a mente com pensamentos e sentimentos de boa vontade por todos os seres. Esse momento foi lindo, maravilhoso. A sala ficou repleta de cânticos, de energia muito bonita e subtil. Metta é simultaneamente momento de harmonizar e de desejar libertação, paz e felicidade a todos os seres visíveis e invisíveis, humanos e não humanos.  “Que todos os seres sejam felizes, estejam em paz e sejam libertos. Bhavatu Sabba Marigalam“.
Uma energia de Amor transbordava de mim e de todos os que ali estavam. 80 pessoas a vibrar de Amor e Harmonia no final do curso, em Metta. Nesse momento, deitei uma lágrima de felicidade. Uma felicidade plena de quem se sente infinitamente grata por de alguma forma ter chegado ali e ter vivido tal experiência. As pessoas começaram a sair da sala e lá fora começava a ouvir-se um burburinho gradual que anunciava o fim do voto de silêncio. Eu não queria que acabasse. Fiquei na sala de meditação até me sentir preparada para me encontrar com os outros. Agradeci, ajoelhei-me quase em posição de prece, deitei mais uma lágrima com um sorriso no rosto, repousei a cabeça para a frente e assim me deixei ficar por um tempo. Difícil entrar, mais difícil sair pensava eu. Mas, com a compreensão de Anicca, entendi que o momento de partilha daquela intensa viagem tinha chegado e que era tempo de me juntar à tribo, e voltar a comunicar com o mundo. Saí da sala e aquele mundo silencioso tinha voltado ao que era 10 dias antes, desta vez com pessoas diferentes, que se abraçavam, sorriam e partilhavam momentos. Eu apenas observava e sorria…As primeiras palavras custaram a sair e levei ainda algum tempo a ter realmente vontade de me expressar verbalmente. Mas tudo a seu tempo. Os últimos 2 dias de Vipassana foram de trovoadas e chuva, tudo estava a ser limpo e até o Universo estava a conspirar nesse sentido.

Ontem, quando saímos do Monte Mariposa, avistámos um arco-íris enorme, de listas grossas e cores bem vivas. Lindo e um momento muito mágico também! :)

Com Vipassana, e como disse Goenka num dos primeiros discursos (todos os dias ouvíamos um discurso no final de cada jornada), somos submetidos a uma intervenção cirúrgica à mente muito poderosa. Aprendemos a concentrar a mente, a mexer nas suas profundezas e a experienciar Anicca (a impermanência, uma das características dos fenómenos) e a lidar com essa mesma impermanência. No fundo, a impermanência da Vida, em que tudo vem e tudo vai, e tudo é mutável em todos os momentos. A grande aprendizagem que é também verdade universal é manter o equilíbrio da mente, e ver-nos livres do apego, da cobiça e da aversão, ainda que observemos em todos os momentos vários tipos de sensações mutáveis no corpo, na mente e na Vida, porque esses são fenómenos incontestáveis e que fazem parte da nossa condição. Reagir a eles é o que nos magoa, o que nos causa sofrimento. Aprendemos com Vipassana a observar apenas e a não reagir, e é maravilhosa a simplicidade do caminho, com ferramentas à mão de qualquer um de nós.

Para mim, ter-me proposto a Vipassana e ter conseguido viver estes 10 dias em retiro e manter-me equilibrada mental e fisicamente foi muito bom. Comecei a escrever este texto porque há coisas que não quero esquecer, se bem que sei que há momentos que ainda estão por aparecer na minha lembrança. A forma em que assimilo a informação vai continuar a chegar, sei que há muita coisa que ainda está para vir, principalmente com a continuidade da prática. Não tenho pressa, mas sinto que a semente foi lançada. E principalmente porque Vipassana pode ser praticada por todos, sem quaisquer condicionamentos, será uma aprendizagem que estará comigo para sempre, e uma ferramenta que me possibilita a mim, e a todos os que também experienciem, uma arte de viver. Aconselho-vos a fazerem um curso de 10 dias.

É pleno o que sinto. A vontade de alcançar uma mente mais pura é cada vez maior. A vontade de viver em amor, pureza e harmonia comigo e com os outros está muito presente, ainda mais agora, e sei que essa tarefa está agora mais facilitada.

 

Bhavatu Sabba Marigalam
(Que todos os seres sejam felizes)

:)